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A realidade das relações trabalhistas nem sempre está refletida corretamente nas anotações da Carteira de Trabalho. Quando isso acontece, o empregado deve buscar seus direitos na Justiça do Trabalho. A questão é saber em quais situações o trabalhador pode requerer o vínculo empregatício e como deve proceder para isso.


O que diz a CLT

Basicamente, as respostas para essas dúvidas estão contidas nos artigos 2º e 3º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), os quais estabelecem as condições do vínculo empregatício tanto para o empregador como para o empregado. É o que explica a advogada Marina Lacerda, do escritório Marcial, Pereira & Carvalho (MP&C), de Belo Horizonte (MG).

De um lado, o artigo 2º da CLT classifica o empregador como a empresa individual ou coletiva que assume o risco econômico da atividade econômica exercida e, para isso, contrata os serviços do empregado com pagamento de salário. Já o artigo 3º define que o empregado é toda a pessoa física que exerce um serviço não eventual, sob a dependência do empregador e mediante o recebimento de salário.

Prova documental e testemunhal

Quais são as provas que deverão ser apresentadas na ação trabalhista que reivindica a comprovação do vínculo de emprego? Conforme a advogada, toda a situação fática deverá ser comprovada por meio de prova documental ou testemunhal. “No melhor dos cenários, ambas poderão ser utilizadas, mas nem sempre isso é possível”, assinala Marina. É importante salientar que, ao se fazer a reclamação trabalhista, solicita-se a anotação do vínculo na carteira de trabalho e o pagamento ao empregado de todas as verbas decorrentes deste vínculo que tenham sido suprimidas ou não quitadas pelo empregador.

Quatro itens caracterizam vínculo de emprego

O vínculo empregatício pressupõe quatro itens indispensáveis: subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade. “Essas características são, de fato, requisitos necessários para a comprovação do vínculo. Sempre que, mediante essas características, não se tem anotada a relação de emprego na Carteira de Trabalho do empregado, cabe ajuizar uma ação trabalhista”, diz a advogada.

Subordinação

A subordinação significa que o empregador determina o tempo e o modo como o empregado deve desempenhar as tarefas pactuadas entre as partes. Evidentemente, é preciso analisar o caso concreto de cada situação. Mas a subordinação pode ser comprovada com exemplos práticos referentes à rotina de trabalho. É o caso do envio de e-mails nos quais o empregador exige o cumprimento da jornada de trabalho ou manda o empregado executar determinadas tarefas. 

Pessoalidade

Já a pessoalidade está caracterizada pela obrigação do empregado de exercer pessoalmente as tarefas contratadas – ele não pode delegar a prestação do serviço para outra pessoa. “Em um cenário hipotético, o trabalhador não poderá enviar algum amigo ou parente para exercer a função, quando estiver impossibilitado de comparecer ao serviço”, exemplifica Marina Lacerda.

Não eventualidade

Mais um ponto importante é a não eventualidade: . Aqui, deve-se ressaltar que a CLT não quantifica número de horas ou dias para definir quando a atividade é eventual ou não. Por essa razão, mais do que em outros itens, essa avaliação depende de análise de caso concreto e também de outras variáveis, como a jurisprudência estabelecida para cada profissão. Para empregadas domésticas, por exemplo, há o entendimento de que, se o trabalho for realizado até duas vezes por semana, não estará configurado o vínculo. Já para empregados que embarcam em navios, alternando 15 dias de trabalho com 15 dias de folga, fica caracterizada a continuidade da prestação do serviço, estabelecendo-se o vínculo. “Em resumo, não é tanto a quantificação da jornada que importa, e sim a natureza da atividade”, afirma a advogada.

Onerosidade

Outra questão importante é a necessidade de que haja retribuição do desempenho da atividade exercida pelo empregado em forma de salário. Um exemplo prático de fácil compreensão é a limpeza de uma igreja feita de modo contínuo e voluntário por um dos fiéis. Neste caso, estão presentes tanto a pessoalidade quanto a não eventualidade, mas o vínculo empregatício não se configura, uma vez que o trabalho não é oneroso, e sim voluntário, já que não há retribuição de salário por parte da igreja.

Isenção de risco e reforma trabalhista

Cabe destacar ainda que o artigo 2º da CLT determina também que o empregador não poderá transferir ao empregado os riscos do negócio. Em outras palavras, ele é que deverá arcar com eventuais prejuízos da atividade econômica, uma vez que o empregado não é sócio do empreendimento. A advogada Marina Lacerda exemplifica: “Se um restaurante é obrigado a fechar por determinado período, em função de uma pandemia, o prejuízo em termos de lucratividade não poderá ser repassado ao trabalhador na forma de redução de salário. Esse é um item que, conforme o caso concreto, pode ser acrescentado à discussão do vínculo empregatício na ação trabalhista”.

Ela lembra ainda que a recente reforma trabalhista – adotada no Brasil sob a alegação de gerar mais empregos, o que não se confirmou – não alterou as normas acerca do vínculo empregatício, mas criou novas modalidades de contratos de trabalho, os quais merecem análise à parte. Mas esse é um bom tema para desenvolver em um próximo artigo.

Fonte: Declatra